Autismo em Meninas

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Há aspectos importantes para serem discutidos quando pensamos nas diferenças comportamentais que podem ser encontradas no Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou autismo, em meninos e em meninas.  

Embora a prevalência do autismo esteja estimada em 1 menina para cada 4 meninos, acredita-se que essa diferença seja menor. Isso porque, existe uma dificuldade maior no diagnóstico especialmente do autismo leve em meninas

O cérebro feminino e o autismo

O cérebro feminino é naturalmente mais social, possui maior capacidade de empatia e para habilidades sociais esperadas nos relacionamentos interpessoais. Meninas com autismo leve apresentam menos sintomas externalizantes e que chamam mais atenção como agressividade, inquietude, comportamentos inapropriados em geral e ações estereotipadas. 

Espera-se socialmente comportamentos diferentes entre um menino e uma menina. Uma menina com autismo leve que apresente alguma dificuldade na comunicação e interação social, que não goste de toque, beijos ou de brincar com outras crianças, pode ser considerada pelos pais, familiares, pela escola, como sendo somente uma criança mais tímida, retraída. Porém, a criança que é tímida e não tem autismo, compreende o outro e o ambiente que a cerca. Um menino que se comporte de maneira mais retraída, acaba chamando mais a atenção de todos, uma vez que meninos são naturalmente mais inquietos e exploradores. 

Características do brincar nos trazem pistas importantes sobre o desenvolvimento de uma criança. 

Meninas costumam brincar sozinhas com bonecas, panelinhas sem que isso chame a atenção. A questão é que ações repetitivas no brincar de uma menina com autismo leve podem passar despercebidas como algo atípico. Por exemplo, colocar e tirar a roupa e pentear o cabelo repetidamente de uma boneca, querer sempre brincar com as mesmas panelinhas  e até mesmo ficar com uma boneca no colo o tempo todo (brinquedo de conforto). Isso pode não alertar os pais.  

Comportamento em casa e na escola

Na escola, uma menina com autismo leve que prefere ficar, por exemplo, folheando um livrinho de história ou com sua boneca, não costuma chamar a atenção dos professores, uma vez que essa aluna possivelmente não apresentará comportamentos inquietos, agressivos e tampouco atrapalhará a aula.  

Já o ato de um menino ficar por exemplo, rodando a roda do carrinho ou ficar repetidamente movendo um carrinho de um lado para o outro ou virando um pião, costuma ser identificado sem grandes dificuldades, como um comportamento repetitivo. Além desse fato, meninos com autismo leve, mesmo que prefiram brincar sozinhos, apresentam comportamento mais agitado e pela inflexibilidade cognitiva. Também costumam ter mais problemas comportamentais como agressividade, dificuldade de lidar com frustrações (o que é facilmente percebido em casa e na escola). 

Sintomas mais leves de autismo em meninas podem, portanto, acabar sendo mascarados. Dessa forma, meninas com autismo leve, mais funcionais, são mais difíceis de diagnosticar. Elas acabam tendo seu diagnóstico mais tardio, geralmente quando as demandas sociais são mais exigidas. São meninas que têm menor iniciativa comunicativa, são literais, não entendem sutilezas sociais, podem falar sobre assuntos de interesses, ter dificuldade em compartilha-los e não conseguir se comunicar socialmente em outros momentos, medir pouco a reação do interlocutor ao seu comportamento, apresentar déficits atencionais ou hiperfoco, dificuldade em falar em público, podem desejar fazer amigos mas não saber como, entre outros pontos. 

Autismo em meninas x Outros Transtornos

Em alguns casos, os sintomas do autismo leve em meninas acabam sendo confundidos com outros transtornos. O mais comum é o Transtorno Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), forma predominantemente desatenta onde é frequente uma dificuldade de regulação das emoções e comportamentos. 

Já as meninas com autismo moderado e severo são diagnosticadas mais precocemente, pois apresentam prejuízos e comprometimentos facilmente identificáveis. São menos funcionais, geralmente com comorbidades como deficiência intelectual, transtornos psiquiátricos, epilepsia, que acabam por exacerbar seus prejuízos e dificuldades em várias áreas do desenvolvimento, especialmente na comunicação e interação social, e no comportamento e interesses que se tornam ainda mais rígidos. 

O autismo em meninas é mais severo que em meninos?

Até pouco tempo, acreditava-se que o autismo em meninas era mais severo. Hoje entendemos que, na verdade, as meninas que eram diagnosticadas estavam em um espectro mais grave, exatamente por essa dificuldade de identificar o autismo mais leve precocemente em meninas. 

Os critérios diagnósticos são os mesmos para ambos os sexos. Diagnosticar autismo moderado e severo é mais fácil; identificar o autismo leve é naturalmente mais desafiador e pode ficar um pouco mais difícil no caso do autismo em meninas se pensarmos nestas diferenças naturalmente esperadas no comportamento social entre meninos e meninas, como exemplifiquei mais acima. 

Mas, vale destacar, “nem tudo é diferente”. Independente do sexo, o diagnóstico do autismo contempla que os sintomas e características se iniciem precocemente, que haja comprometimentos na comunicação (linguagem receptiva, Teoria da Mente e linguagem expressiva) e interação social, associado a comportamentos e interesses mais rígidos, inflexíveis e estereotipadas e alterações sensoriais. 

Sinais de alerta!

Fica então o alerta para pais de meninas, familiares e profissionais da educação para se atentarem a alguns pontos, como: 

  • baixa qualidade no contato visual, quando respondem menos ao serem chamadas pelo nome;
  • quando se comunicam, imitam e interagem menos socialmente;
  • apresentam dificuldade de compreender o outro, o ambiente à sua volta, sutilezas sociais, piadas;
  • atrasos nos marcos do desenvolvimento (não é específico do espectro autista, mas é um alerta sobre o desenvolvimento da criança);
  • abstraem menos;
  • brincam menos de faz de conta ou ficam por tempo prolongado em uma mesma atividade com dificuldade de diversificar;
  • dificuldade em flexibilizar o comportamento, lidar com mudanças de rotina e frustrações;
  • fazem ações repetitivas, entre outros.

Meninas com autismo leve podem apresentar comprometimentos que não chamam a atenção inicialmente, mas se avaliadas comparativamente a outras meninas da mesma idade, observa-se que em menos de 80% das vezes terão comportamentos esperados para a própria idade. 

Diagnóstico do autismo em meninas

Vale destacar então que a dificuldade no diagnóstico do autismo leve em meninas não está exatamente na diferença dos sintomas entre meninos e meninas com autismo, pois estes, em geral, são similares entre os gêneros (embora, como já citei, as meninas com autismo leve apresentem menos sintomas externalizantes quando comparadas aos menino), mas sim, na forma com que a sociedade olha para cada gênero, ou seja, ao fato de que determinados comportamentos chamam mais a atenção em um menino do que em uma menina e à capacitação de profissionais da saúde identificarem sinais sutis. 

Por tudo isso, o maior desafio hoje ainda é treinar o olhar dos profissionais da saúde que acompanham a criança (pediatra, neuropediatras, psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros), pais, familiares, educadores e sociedade em geral para que alguns sinais de autismo leve não sejam ignorados e/ou justificados com comportamentos esperados entre meninas ou meninos. 

Além disso, há muitos casos em que os pais notam um comportamento “diferente” ou atrasos, mas escutam que “é preciso esperar o tempo da criança”. Vale ressaltar que, embora cada criança apresente suas particularidade, há marcos no desenvolvimento social e neuropsicomotor que devem ser respeitados sempre! Temos por exemplo o fato de o bebê não falar nenhuma palavra com 18 meses. 

Tratamento do autismo em meninas

O conhecimento é o caminho para um diagnóstico precoce (preferencialmente antes dos 3 anos de idade) e, consequentemente, para um tratamento mais eficaz. Por isso temos que falar cada vez mais sobre o autismo, seus sinais e possíveis diferenças entre o autismo em meninas e meninos, para possibilitar que meninas também tenham seu diagnóstico e intervenção mais precoce. 

A intervenção precoce, especializada e intensiva é determinante na aquisição de novas habilidades e aprendizados, na socialização e comunicação social e na autonomia, possibilitando melhor qualidade de vida para o paciente e sua família.  

Tanto no caso das meninas como dos meninos com TEA, o tratamento continua sendo baseado em intervenções comportamentais e multiprofissionais de acordo com as necessidades e individualidades de cada criança. Não há diferenças entre o tratamento para meninas e meninos com autismo, mas, sim, particularidades do tratamento para cada paciente, a fim de potencializar habilidades e amenizar comprometimentos e dificuldades.   

Deborah Kerches, é neuropediatra (CRM 102717/SP, RQE 23262-1), especialista em Transtorno do Espectro Autista e Saúde Mental Infantojuvenil, palestrante, diretora do CAPS infantojuvenil de Piracicaba/SP, Preceptora do Programa de Residência Médica de Pediatria do Município de Piracicaba/SP, neuropediatra do Projeto Capacita Angola Benguela, Membro da Sociedade Brasileira de Neuropediatria, Membro da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil (ABENEPI), Membro da Academia Brasileira de Neurologia, Membro da Associação Francesa La cause des bébés, Membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia e  tem uma página no instagram @dradeborahkerches que oferece informações a respeito do autismo, saúde mental infanto juvenil e os mais diversos temas que envolvem a neurologia da infância e adolescência. 

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17 thoughts on “Autismo em Meninas

  1. Boa noite. Gostei muito do que li. E gostaria de saber, se podemos identificar o autismo em jovem de 17 anos? Tenho uma neta que foi diagnosticado com o autismo. Tem cura? É muito caro o tratamento?

    1. Primeiro, é necessário que marque uma consulta, somente um médico pode dar o diagnóstico, de preferência psiquiatra ou neurologista.
      O autismo não tem cura, pois não é uma doença, é uma condição, equiparada legalmente a deficiência.
      Com terapias adequadas, muitas dificuldades que ela encontra hoje, podem ser minimizadas e ela pode aprender muitas formas de se adaptar a situações diversas.
      Quanto ao custo, se vc tem convênio, ele deverá cobrir o tratamento.
      Se não tiver convenio, o atendimento pode ser feito pelo SUS.

  2. Maravilhoso seu texto! Me vi como mãe. Minha filha tem 11 anos e faz tratamento para TDAH e TOD, além de atraso cognitivo. Porém eu percebo algo mais. Ela tem algumas manias repetitivas, necessito combinar tudo com ela. Como mãe sinto algo. Mas os profissionais insistem na fala de que: se ela se trata na primeira pessoa,não tem esteriótipos, não se “movimenta” sozinha e nos olha nos olhos não é autista. Existe algum tipo de “exame” “teste” que eu possa pedir para sanar de vez essa dúvida que me persegue?

    1. O diagnóstico do autismo é clínico, são utilizados vários testes, mas nenhum deles determina se a pessoa é ou não autista.

      O ideal é você marcar consulta com o neuropediatra ou psiquiatra infantil, eles são os especialistas no diagnóstico do autismo.

      Será muito útil uma avaliação neuropsicológica, que é muito importante para o diagnóstico do autismo.

  3. Eu descobri a pouco mês que meu filho é autista ele tem 7 anos será que existiria a possibilidade da irmã dele ser como descobrir em meninas tem teste possa

    1. O diagnóstico para as meninas, principalmente as leves, é mais difícil mesmo.
      Existem testes que auxiliam. No nosso APP tem 4 testes totalmente gratuitos.
      Mas o diagnóstico só pode ser feito por médico.
      Os especialistas são neuropediatra ou psiquiatra infantil.

  4. Eu tenho 11 anos e ando meio desconfiada que sou autista há um tempo pois convivo com vários meninos autistas cada um com um grau diferente e eu acabo meio que me “identificando” com eles e quero muito pedir pra minha mãe para me levar em uma neurologista mas eu Não sei como pedir e nem como explicar pra ela! Você poderia me dar umas dicas?

    1. Fale exatamente isso que vc está me falando.
      Que quando vc conheceu o autismo reparou que muitas coisas vc também tem e que gostaria de ser avaliada.
      Acredito que ela não vá se negar a te levar.
      Se quiser, converse com alguma professora que vc gosta e peça pra ela te ajudar a falar com sua mãe.
      Beijinhos

  5. Seu texto é de uma excelência magnifica .TENHO uma sobrinha com 3 anos q achamos q tenha autismo esta passando na neuro mas a demora é muita dai os pais ainda nao se convenceram e isso so retarda o tratamento.

  6. Tenho uma filha que tem sete anos. Desconfio que ela seja autista. Ela não fala direito, demorou pra aprender a falar. Na escola tá tendo dificuldade pra aprender. Ela quando se zanga com alguma coisa fica derrubando tudo q vê pela frente, as vezes bate na cabeça. Mas ela brinca com as outras crianças, ela olha nos olhos da gente. Ultimamente ela parece não escutar quando a gente fala. Tenho um bebê de um ano e 4 meses e quando ele nasceu ela sentiu muito ciúmes, e de vez enquanto quer voltar a ser bebê novamente. O que devo fazer?

  7. Excelente texto, bastante esclarecedor.
    Minhas certezas crescem a cada leitura.
    Minha filha tem 9 anos, tem diversos sintomas. Aos 2 anos teve retrocesso na fala, mas o pediatra falou “ela não é autista, autista não fala!”, bom, hoje está tendo mais um retrocesso, mais grave que está prejudicando na escola.
    Levei em outra pediatra e a mesma analisou por mais de 2h e deu o pré diagnóstico. Agora estou lutando por uma vaga no neuro.

    1. Oi Danieli
      Infelizmente muitos médicos que “deveriam” ser especialistas, acreditam que autista não fala, não aprende ler e escrever, não olha no olho e tantos outros mitos.
      Que bom que vc passou em outro profissional, mas o mais importante é já começar as terapias, muito estímulo!

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